Crônica musical – Orquestra Sinfônica de Campinas – Concerto dos Heróis: Tributo a John Williams
- Vitor Alves
- 12 de out.
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de out.
Orquestra Sinfônica de Campinas – Concerto dos Heróis: Tributo a John Williams
Centro de Convivência Cultural de Campinas, 11 de outubro de 2025
Crônica sobre o concerto da Orquestra Sinfônica de Campinas, regido por Carlos Prazeres, em tributo a John Williams.
Em meio às ruas badaladas e apertadas do Cambuí, em pleno sábado à noite, milhares de pessoas realizaram um tipo de peregrinação diferente. Não era em busca do gostoso hedonismo boêmio, tão presente neste bairro; era algo ainda mais sagrado do que a cerveja gelada obrigatória do brasileiro feliz. A cidade de Campinas ostentou seu corpo artístico mais importante e poderoso, a Orquestra Sinfônica de Campinas, para celebrar o Dia das Crianças em um concerto que foge à didática cansada, muito presente em espetáculos com a estética de comemoração dos pequenos.
O Centro de Convivência Cultural de Campinas “Carlos Gomes”, o famoso CCCCCG (leia-se cêcêcêcêcêcêgê), sediou, no recém-reformado Teatro de Arena — um coliseu colossal localizado longe dos mosquitos intensos da Concha Acústica do Parque Taquaral e situado ainda mais ao centro da cidade — o retorno de sua amada orquestra e de seu amado público. O tema do concerto foi “Concerto dos Heróis”, sob regência do maestro titular Carlos Prazeres.
Atualmente, um concerto com essa temática e com o propósito de comemorar o Dia das Crianças poderia desembocar, sem querer, nas músicas presentes na febre do momento: os filmes de super-heróis de enorme sucesso de bilheteria da produtora Marvel, comprada pela Disney, e da DC Comics, ainda não comprada pela Disney.
Com a enorme pressão desenfreada dos executivos de Hollywood, em busca do lucro exorbitante de suas séries, os jovens são obrigados a consumir tudo que pertence a esses universos de fantasia, para não ficarem sem saber qual próximo megalomaníaco evento acontecerá nas histórias. E os adultos ficam não apenas sem tempo de ver a grande quantidade de séries e filmes derivados desse novo modo de consumo, mas também sem entender as novas histórias, tornando-se presos ao saudosismo, de que apenas os antigos eram melhores.
Mas, num golpe publicitário de gênio, o concerto da Sinfônica de Campinas tornou-se um tributo a John Williams, grande compositor responsável pela definição da orquestração romântica estadunidense e pela criação dos temas mais conhecidos dos filmes, como Star Wars, Indiana Jones, Harry Potter e muitos outros que figuraram neste evento.
Na noite quente de 11 de outubro, o Teatro de Arena começou a lotar e não parou mais. Das peregrinações de famílias, jovens, adultos, jedis, super-heróis e lords siths que surgiram para ver o concerto, uma coisa chamou a atenção: meia hora antes do próprio concerto começar, o Teatro de Arena já estava lotado. E, no meio dessa bagunça calorosa, a figura imponente de Darth Vader irrompe junto a seu séquito de stormtroopers e alguns jawas perdidos, que desfilaram pelo teatro atraindo a atenção — e o pavor — de todos. Na calorosa bagunça de gente tão diversa, reunida com o propósito comum de ouvir música, aquele calor e entusiasmo pareciam próximos ao que se via nos jogos decisivos de Copa do Mundo. E o empolgante era todos aguardarem a chegada do maestro camisa 10.
O horário do concerto bateu, e o teatro, já lotado, lotou ainda mais durante a fala da chefe da Cultura de Campinas. A secretária Alexandra Caprioli agradeceu aos patrocinadores e ao público cativo, ressaltando a importância de a cidade preservar uma orquestra sinfônica tão conceituada e capaz de lotar arenas e teatros. De fato, esse poder de atração, que outrora foi marca do popstar Benito Juarez (in memoriam), hoje se renova na figura popular de Carlos Prazeres (in Instagram).
O maestro chega, e começamos com a música do filme Indiana Jones, o tema aventuresco que traz a sensação de nostalgia para os mais velhos, apesar dos esforços de novos filmes recentes demonstrarem que Indiana Jones deve permanecer mais como lembrança do que algo a ser renovado. O tema de Indy serviu muito bem como abertura orquestral e as inúmeras modulações presentes na música faziam o público se surpreender.
A ampliação do som da orquestra foi muito bem realizada, e o burburinho, os ruídos de pessoas passando à frente umas das outras e o descomprometimento com o silêncio, antes imposto de forma quase solene no Teatro Castro Mendes, aproximam ainda mais o público da orquestra.
Logo após, segue-se para a trilha presente no filme Perfume de Mulher, que não é de John Williams, e sim do compositor Carlos Gardel, no famosíssimo tango “Por una cabeza”, que foi excelentemente tocado pela orquestra e destacado pelo spalla Aramis Rocha. Tudo isso em meio a uma deliciosa confusão de logística, entre as pessoas que buscavam qualquer frestinha para ver o corpo orquestral, aqueles que procuravam lugares para sentar e os que se contentavam, com razão, em apenas apreciar a música de pé.
O público não apenas apreciou a música em pé, como também, outros curiosos ao redor da praça se aproximaram, alguns dos que já estavam programados para assistir, chegaram atrasados — como um fã devotado de Star Wars, trajado com vestes de Jedi e empunhando dois sabres de luz, que perguntou: “Eles já tocaram? Eu trouxe até meus lightsabers!”.
Com o público já conquistado e saudado pelo carismático maestro Carlos Prazeres, a orquestra se encaminha para os temas mais famosos do cinema. O regente explica que se trata, na verdade, de um “encontro de gerações”, em que os mais velhos e os mais jovens se conectam por meio de um elemento comum: a música de John Williams. A sacada de mestre em utilizar filmes consagrados com trilhas sinfônicas que evocam o imaginário das sagas — compartilhado por crianças e adultos — culmina no maior desejo do maestro: revitalizar a orquestra sinfônica, demonstrando seu poder de comoção e transformação através da música.
Segue-se o tema de Tubarão, voltado sobretudo à geração mais antiga, mas ainda presente no inconsciente coletivo dos mais jovens. O temor e a energia dessa composição são magistralmente evidenciados pela orquestra, cujos ataques graves reverberam intensamente na plateia. Enquanto a orquestra provoca sustos em uma cidade muito distante do mar, um tubarão, em realidade aumentada, persegue o público pelos telões instalados acima do palco, que simulam o teatro de arena e incorporam elementos digitais divertidíssimos. E seguindo-se a ameaça dos tubarões, somos maravilhados e afrontados por dinossauros que invadem o Centro de Convivência, com a orquestra interpretando a Abertura de Jurassic Park de maneira comovente!
No meio do concerto ouvimos um dos temas mais emocionantes do repertório de Williams, que é a música de ET, o extraterrestre, na cena da bicicleta voadora. A orquestra afiada, manteve-se firme na música que talvez fosse a mais complicada de Williams, com as inúmeras mudanças de compasso que remetem muito à Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, com intervenções pensadas à maneira da orquestração de Maurice Ravel.
O bruxo Prazeres, que já fazia verdadeira magia ao reunir um público tão numeroso para ovacionar a música de concerto, intensifica ainda mais seus encantamentos ao apresentar os temas principais de Harry Potter, não sem antes vestir seu legítimo chapéu de feiticeiro e empunhar uma varinha mágica em lugar da batuta. Essa suíte (conjunto de movimentos musicais) juntamente com o tema da bicicleta de ET, foram as músicas mais desafiadora da noite para a orquestra, um pouco pela instabilidade de equilibrar a grande quantidade de contrapontos e intervenções, que ocorrem da polifonia da música. No entanto, nada disso atrapalhou a experiência musical, e o destaque fica para o dificílimo trabalho realizado pelas cordas neste excerto musical de John Williams.
Após quase uma hora de concerto, o público continua chegando, e ninguém sequer cogita ir embora. O paredão de gente em pé, mesmerizada pela música, emociona e faz refletir: talvez, com mais recursos, fosse possível reunir ainda mais pessoas — à maneira de Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, com seus megashows de Madonna e Lady Gaga.
Vibramos, então, com Star Wars, o grande tema aguardado da noite. Em tempo justo, apropriadíssimo, como se estivéssemos assistindo ao filme, a orquestra abre com bastante vigor, e nesta, os metais reinam soberanos. O tilintar do triângulo junto ao glockenspiel, maravilham o público nesta fanfarra intergaláctica. A harpa desliza alegremente, e temos a orquestra, bastante confortável. Neste concerto inteiro dedicado a John Williams, as trompas foram muito requisitadas e cumpriram o seu papel com bastante louvor.
Ao soar o emocionante tema da Princesa Leia, percebe-se que o público é surpreendentemente receptivo aos adagios líricos, e isso está longe de ser algo trivial. A mesma emoção também pode ser sentida no tema da Lista de Schindler, tocada na mesma noite. Num Brasil tomado pelos ritmos incessantes e festivos do sertanejo, do funk e do samba, é notável — e até comovente — testemunhar a delicadeza com que um tema romântico, como este escrito por John Williams, é recebido pelo povo campineiro.
Chegamos ao fim do espetáculo — e bastante satisfeitos. O encontro de gerações realmente aconteceu. A orquestra conseguiu reunir todos os espectros da população de uma metrópole, e conduzir, com maestria, toda a sua atenção. O poder de mobilização social que uma orquestra como a Sinfônica de Campinas possui, não pode ser ignorado. Pedimos bis com gratidão e entusiasmo, pois ainda faltava uma música muito importante: Superman.
O tema, com a orquestra em sua melhor performance da noite, evidenciado pelo brilho dos trompetes, evoca nossas grandezas mais pessoais e sugere o lado mais nobre do ser humano, cativando o público do Centro de Convivência. Durante a “ascensão” do herói aos céus, o super maestro abandona os trajes elegantes e revela, sob a camisa, o nobre símbolo “S”, finalizando o evento, agradecendo ao apoio da Prefeitura e da Secretaria de Cultura. E, aproveitando o heroísmo do momento, pontua:
– “Estou sem capa porque tivemos um corte no orçamento.”

A Orquestra Sinfônica de Campinas







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